Por que a União Soviética perdeu a Guerra Fria? Implicações econômicas para o contexto contemporâneo de guerra comercial entre China e EUA - Parte 1
A resposta curta: por causa dos contêineres.
É isso mesmo. Sua invenção mudou toda a lógica econômica mundial e até mesmo a situação da Guerra Fria.
Por quais motivos?
Porque antes da invenção dos contêineres, o transporte ferroviário e marítimo eram, na verdade, equivalentes, mas depois da revolução dos contêineres, o transporte marítimo se tornou o modal de transporte que ultrapassou o ferroviário.
Os sistemas econômicos da União Soviética e da CMEA (Conselho de Assistência Económica Mútua)/Comecon eram baseados no transporte ferroviário.
Basta olhar para a distribuição de cidades na União Soviética e você verá que a maioria delas foi construída ao longo de ferrovias. Mesmo hoje, mais de 30 anos após o colapso da União Soviética, Novosibirsk e Ecaterimburgo, localizadas no interior, ainda são centros industriais da Rússia, ocupando o terceiro e o quarto lugar nas maiores cidades, respectivamente.Comparado ao transporte ferroviário, embora o transporte marítimo tenha um volume de transporte maior, ele é limitado pelo cais. A carga do navio tem que ser movida do navio para o porto aos poucos pelos trabalhadores do cais. Levando em conta as taxas de atracação, as taxas de armazenagem e os custos de mão de obra no cais, o transporte marítimo não era mais barato que o transporte ferroviário.
Na década de 1960, os custos de frete para o comércio marítimo transfronteiriço chegavam a 25% dos custos do produto, fazendo com que o comércio transfronteiriço ficasse estagnado por um longo tempo.
Um navio de carga transatlântico leva seis dias para carregar, dez dias e meio para navegar e outros seis dias para descarregar. Metade do tempo de uma viagem de transporte é gasto no cais.
De todos os custos de transporte, a maior despesa são os salários dos trabalhadores portuários. 60%-75% do custo do transporte de mercadorias ocorre quando o navio atraca no cais.
Os contêineres mudaram tudo isso.
Os contêineres equivalem a mover o trabalho de carga e descarga das docas para as fábricas. A partir de então, os portos deixaram de ser um ponto de gargalo para o transporte.
Os navios de carga não precisam esperar no cais e contam com os trabalhadores do cais para carregar e descarregar a carga aos poucos. Os guindastes de contêineres podem ser usados para descarregar contêineres e carregá-los ao mesmo tempo. Os navios porta-contêineres podem assumir imediatamente uma nova rodada de trabalho de transporte.
Os trabalhadores portuários não seriam mais um gargalo no crescimento do transporte marítimo. Em 1963-1964, os empregadores em Manhattan, Nova York, empregaram 1,4 milhão de trabalhadores portuários. Apenas 10 anos depois, esse número caiu para 127.000.
Com o rápido desenvolvimento do transporte de contêineres, os custos do frete marítimo despencaram.
Em 1970, quando o transporte de contêineres estava apenas começando, os custos de frete eram inferiores a 50% dos navios tradicionais, com um custo médio de US$10,87 por metro cúbico. Em 1979, o custo do frete por metro cúbico caiu para US$4, e em 1986, a taxa de frete caiu para US$1,5.
O transporte barato de contêineres remodelou o sistema industrial ocidental.
No passado, os altos custos de transporte serviam como barreiras comerciais, com um efeito semelhante a tarifas de importação muito altas. Os Estados Unidos e a Europa Ocidental mantiveram um grande número de indústrias de baixo custo e os sistemas industriais não eram efetivamente integrados.
Naquela época, a União Soviética e a Europa Oriental estabeleceram o Conselho de Assistência Econômica Mútua com base no sistema ferroviário. Todo o sistema industrial tinha 400 milhões de habitantes (280 milhões na União Soviética e 120 milhões na Europa Oriental). Confrontando o campo soviético estavam a Comunidade Europeia, com 300 milhões de habitantes industriais, e a América do Norte, com 300 milhões de habitantes industriais.
Naquela época, o campo soviético enfrentava o sistema industrial ocidental, com uma população industrial de 700 milhões, após a adição dos 100 milhões de habitantes do Japão. 400 milhões contra 700 milhões. Em termos de complexidade e sofisticação de produtos industriais, a União Soviética foi suprimida pelo Ocidente na década de 1980. A diferença entre os padrões de vida do Oriente e do Ocidente tornou-se cada vez maior e não havia a mínima esperança de vitória.
É claro que, antes que os contêineres derrubassem a União Soviética, eles já haviam causado grande sofrimento ao sistema industrial americano.
O primeiro país a agir sabiamente foi o Japão, que foi o primeiro a colher os benefícios dos dividendos dos contêineres.
As fábricas japonesas aproveitaram ao máximo as características do transporte de contêineres de fábrica para fábrica e desenvolveram um sistema de "produção enxuta" ou lean manufacturing, que vincula diretamente os pedidos de clientes e varejistas ou atacadistas ao sistema de produção da fábrica. O contêiner é o armazém da fábrica e o transporte do contêiner é a correia transportadora da fábrica.
A "produção enxuta" considera todo estoque na produção como desperdício, enfatiza a exigência de estoque zero e produz as peças e produtos necessários na quantidade necessária, reduzindo significativamente o estoque de produtos em andamento e acabados, reduzindo o acúmulo de capital de giro e reduzindo custos.
Os japoneses foram o primeiro país a combinar produção com transporte de contêineres. Na década de 1980, os produtos japoneses superaram os dos Estados Unidos e da Europa com seus preços baixos e alta qualidade. A tradicional região industrial dos Grandes Lagos, nos Estados Unidos, nunca se recuperou e se tornou um cinturão enferrujado. A indústria automobilística americana nunca retornou à sua antiga glória. A proximidade de matéria-prima como o ferro e o carvão e a existência de importante rede de transportes terrestres e aéreos não favoreceu positivamente a indústria americana no mercado global devido a essa conteinerização/contentorização.
Os produtos americanos foram superados pelo Japão, que estavam armados com contêineres, sem falar da União Soviética que foi ainda mais impactado. Devido à enorme diferença nos padrões de vida entre o Oriente e o Ocidente, os soviéticos questionaram cada vez mais seu próprio sistema socialista e acabaram perdendo a Guerra Fria.
Para ser honesto, foi incrível que a União Soviética tenha conseguido sobreviver até a década de 1990. Outras economias já foram forçadas a se transformar sob a onda da revolução dos contêineres. Na década de 1970, os Estados Unidos e a Europa foram forçados a desindustrializar. O fenômeno da desindustrialização começou nos Estados Unidos, onde a proporção da força de trabalho industrial em relação à força de trabalho total caiu de um pico de 28% em 1965 para 16% em 1994. No Japão, a participação do emprego industrial atingiu o pico de 27% (em 1973, oito anos depois dos Estados Unidos), mas caiu para 23% em 1994. Nos 15 países da Europa, a maior proporção de emprego industrial foi de 30% (1970), mas caiu rapidamente para 20% em 1994. Ao mesmo tempo, a proporção de emprego no setor de serviços nos países desenvolvidos estava aumentando. A proporção de empregos no setor de serviços nos Estados Unidos em relação à força de trabalho total aumentou de 56% em 1960 para 73% em 1994. Desde 1960, fenômenos semelhantes ocorreram em outros países desenvolvidos.
Na década de 1980, a política de substituição de importações da América Latina falhou e os países latino-americanos caíram na armadilha da renda média. Antes da revolução dos contêineres, as políticas de substituição de importações eram viáveis. O comércio marítimo era caro e o próprio mundo era dividido em economias independentes pelo oceano. O custo da produção local era naturalmente menor que o das importações. A política de substituição de importações da América Latina após a Segunda Guerra Mundial foi bem-sucedida, e o Brasil até desenvolveu sua própria indústria de aviação, como o caso bem-sucedido da Embraer.
Entretanto, depois da revolução dos contêineres, os sistemas industriais dos Estados Unidos, Europa e Japão foram conectados em um todo. Como o Brasil, com sua população industrial de 150 milhões e o México, com sua população industrial de menos de 100 milhões, poderiam competir com um sistema industrial com uma população de 700 milhões?
Junto com a queda acentuada nos custos de envio e o impacto de produtos industriais ocidentais de alta qualidade e baixo custo, países latino-americanos como Brasil e México encontraram cada vez mais dificuldade para manter suas políticas de substituição de importações e acabaram falindo e caindo no atoleiro da armadilha da renda média.
Quando chegou a década de 1990, as mudanças drásticas na Europa Oriental e a desintegração da União Soviética foram apenas mais uma partícula de poeira deixada pela revolução dos contêineres.
Aqueles que seguem a tendência dos tempos prosperarão e aqueles que vão contra ela perecerão.
A revolução dos contêineres é essencialmente uma revolução de integração global, com produção e cadeia de suprimentos globalizadas, que integrou os sistemas industriais dispersos do mundo em uma única entidade industrial.
Nessa onda revolucionária, a Europa e os Estados Unidos foram previdentes, seguiram a tendência, eliminaram indústrias atrasadas e iniciaram a terceira revolução industrial.
O Leste Asiático não tinham bagagem histórica e aproveitaram ao máximo sua vantagem de ser recém-chegado e abraçou a onda dos contêineres. Começou assumindo o controle de indústrias atrasadas na Europa e nos Estados Unidos e gradualmente se tornou o terceiro polo da economia global.
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