Política externa: China jogando Go (Weiqi) e o Ocidente jogando Xadrez
Enquanto o Ocidente joga as relações internacionais como um jogo de xadrez, a China as joga como um jogo de Go. O xadrez busca a eliminação de peças; o Go busca o cerco do território, o nome em si se traduz como “jogo de cerco”. Ao contrário do xadrez, o objetivo do Go não é dar xeque-mate no outro jogador, mas adquirir posições vantajosas, com o objetivo de cercar mais território do que o oponente. Como Han Yong Hong relatou, quatro dias após Xi denunciar um ataque de contenção liderado pelos EUA ao desenvolvimento da China, “um desenvolvimento ainda mais crucial ocorreu: após a mediação da China, os arquirrivais Arábia Saudita e Irã concordaram em restabelecer os laços diplomáticos, criando um grande avanço na geopolítica do Oriente Médio ”.
Há anos a China vem desenvolvendo relações com o “Sul Global ”, construindo interdependência econômica com países do Indo-Pacífico, da América Latina, da África, da Ásia Central e agora do Oriente Médio. A China também apresentou um conjunto de princípios para acabar com a guerra russa na Ucrânia. Enquanto os líderes do G-7 se reuniam em Hiroshima, a China se reunia com países da Ásia Central. A Organização de Cooperação de Xangai (SCO) promovida pela China reúne países que representam muito mais de 40% da população mundial. Han sugere que, ao exercer influência no Oriente Médio, a China “ajudará a conter a pressão da estratégia Indo-Pacífico dos EUA e o uso de Taiwan como um peão”. O orçamento anunciado nas Duas Sessões inclui um aumento de 12% para despesas diplomáticas, “indicando que a China será mais agressiva nas relações exteriores, pois compensa o tempo perdido durante a pandemia... ela quer expandir sua influência, especialmente fazendo amigos fora dos aliados dos EUA para conter a contenção dos EUA.
Para enfatizar a opinião que valida a estratégia chinesa na política externa, citarei de um artigo que foi manuscrito de uma palestra de um major-general do PLA sobre o dólar dos EUA sendo usado como arma contra inimigos em comum, Qiao Liang, em um fórum do PCCh:
"Os americanos gostam de basquete e boxe. O boxe mostra a natureza típica americana de respeitar o poder: um golpe direto com força total e a esperança de nocautear o oponente. Tudo é direto.
Os chineses são bem o oposto. Os chineses preferem ambiguidade e “usar a suavidade para conquistar a força”. Não se busca nocautear o oponente, mas ele neutraliza todos os ataques dele. Os chineses gostam de Tai-chi, que é um nível de arte mais alto que o boxe."
A estratégia “One Belt, One Road” é esta filosofia. O “One Belt, One Road” é a melhor estratégia de superpotência que a China pode trazer neste momento, porque é uma contramedida aos EUA.
Alguém pode perguntar: “Uma contramedida deve ser na direção oposta da força que vem em sua direção. Como você pode virar as costas para os EUA?” (Os EUA estão pressionando a China do leste sobre o Oceano Pacífico, mas a China vira as costas para a pressão e se move para o oeste.) Isso mesmo. A estratégia “One Belt, One Road” é o contraponto indireto da China à mudança dos EUA para o Leste. A China vira as costas para os EUA [para evitar o confronto direto]. Você me pressiona [do leste], eu caminho para o oeste, não porque eu quero evitar você, nem porque eu tenho medo de você, mas sim porque esta é uma jogada inteligente para neutralizar a pressão que você traz para mim.”
Vou acrescentar o Go e como ele se aplica à política externa chinesa, pois por si só algumas pessoas podem não concordar que tais ações chinesas não podem ser baseadas em um jogo de tabuleiro e isso está longe de ser verdade.
O que o general está tentando explicar é que a estratégia dos EUA no Pacífico visava neutralizar a influência chinesa sobre os países da região para limitar a ascensão chinesa na região tentando buscar um equilíbrio estratégico contra a China.
Qual foi a ação americana para colocar essa pressão?
TPP (Trans-Pacific Partnership). Antes do BRI (Belt and Road Initiative/One Belt One Road) ser anunciado, o TPP já estava em negociação há alguns anos, os chineses entenderam a abordagem americana no Pacífico e viraram as costas para o Ocidente, e assim surgiu a abordagem chinesa, o BRI.
Consequência?
Os EUA assinaram o TPP com os países do Pacífico e a China adotou a abordagem de se mover da Ásia Central para a Europa com a iniciativa BRI, pois tinha mais liberdade para agir neste espaço vazio, pois a atenção dos EUA estava no Pacífico, ou seja, eles ocuparam o espaço. É Go em sua essência.
Vamos para mais uma jogada de Go.
Os EUA estavam no acordo assinado JCPOA, o acordo nuclear com o Irã. Em 2018, os EUA simplesmente se retiraram do acordo unilateralmente. No mesmo ano, em uma cúpula da SCO (Organização de Cooperação de Xangai), Putin abordou os países para aceitar a inclusão do Irã na organização. Desde então, a partir da retirada unilateral dos EUA, a Rússia e a China fortaleceram seus laços com o governo de Teerã, pois os EUA restabeleceram as sanções contra Teerã, o que acabou afetando sua exportação de hidrocarbonetos. A China já era o maior parceiro comercial do Irã, e a adesão do Irã à organização serviu a uma forte justificativa política, e a retirada americana do acordo simplesmente jogou o Irã no colo da organização do SCO, assim como permitiu maiores laços econômicos entre China e Irã com um acordo assinado no valor de centenas de bilhões por 25 anos, visando a exportação de hidrocarbonetos do Irã para a China.
Em 2021, o Irã se tornou um membro pleno da SCO, deixando Teerã no colo da China, com os chineses ocupando o espaço deixado pelos americanos. É Go em sua essência.
Vamos para mais uma jogada de Go.
Voltando ao TPP, com a eleição de Trump na eleição americana, desde sua campanha, ele alegou que deixaria o TPP alegando situações desvantajosas para os EUA. Pois bem, com a eleição de Trump, ele efetivamente cumpriu sua promessa, retirou-se dos EUA em 23 de janeiro de 2017, nos primeiros dias do primeiro mês do primeiro ano de governo.
Como essa falta de engajamento americano foi interpretada pelos chineses?
Ocupação de espaço.
Qual foi o resultado disso?
O acordo RCEP (Regional Comprehensive Economic Partnership).
O BRI, segundo as próprias declarações do general, pode-se entender que foi uma resposta ao TPP, se os americanos se moveram em direção ao Pacífico, a China avançou em direção ao Ocidente (Ásia Central e Ocidental), em direção à Europa, passando pelos países da Ásia Central, Oriente Médio e até mesmo Europa Oriental.
Com a saída dos EUA do TPP, ou seja, no Pacífico, a China avançou com este amplo acordo por causa do espaço vazio deixado pelos americanos com o acordo RCEP. É Go em sua essência.
Onde o Ocidente e os americanos entram, os chineses percebem essa estratégia com os adversários realizando uma manobra para limitar o avanço chinês, agora podendo se concentrar em ocupar os espaços vazios pelo Ocidente, foi o que aconteceu com a Argentina, durante o governo Obama e Trump, porque o governo da Argentina era liderado pelo centro-direita Macri e pró-esquerda, com a China avançando na Argentina buscando até mesmo vender caças chineses de exportação para os argentinos em um acordo vantajoso por causa do baixo preço dos vetores, essa estratégia seguia o curso da ocupação de espaço, porque o Reino Unido estava exercendo pressão contra a China no SCS, se eles realizaram pressão contra a China no SCS, os chineses liberariam as amarras argentinas para pressionar o Reino Unido nas Malvinas, tudo é uma questão de ocupação de espaço e pressão diplomática/militar. Agora sob o governo de Millei, conhecido por sua posição totalmente pró-Ocidente, assinou o acordo com aeronaves F-16 antigos e buscou reaproximação com o Ocidente, deixando a China como um parceiro menor limitando as manobras chinesas.
Outro resultado dos espaços vazios e retirada americana foi a trágica saída da OTAN e EUA do Afeganistão. Com a retomada do poder do Talibã em Cabul, em agosto do mesmo ano da retirada americana, a China buscou ter maior influência na região. O governo chinês fez um aceno para estabelecer relações diplomáticas com o novo governo, ao prometer cooperação. Meses após o grupo fundamentalista reassumir o poder, a China destinou mais de US$48 milhões em assistência humanitária ao Afeganistão. No ano seguinte, o comércio bilateral entre os dois países girou em torno de US$595 milhões. Já em 2023, o país liderado por Xi Jinping firmou um acordo comercial com os talibãs que previu um investimento no inicial de US$150 milhões no Afeganistão para exploração de petróleo no país, podendo chegar à cifra de US$540 milhões ao longo de três anos. Em janeiro de 2024, a China sinaliza reconhecimento ao governo do Talibã no Afeganistão quando o presidente da China recebeu as credenciais do embaixador do Talibã na China e sinalizou um reconhecimento do governo fundamentalista.
O último grande movimento em direção do pensamento estratégico chinês na visão compartilhada do jogo Go, a China acabou por dar maior sustentação para a Rússia após a invasão deste na Ucrânia, com o comércio travado entre UE e Rússia, por causa das sanções e da explosão do gasoduto Nord Stream 2, a China buscou reaproximou com a Rússia buscando maiores benefícios em acordos de comércios de exportações de hidrocarbonetos russos, enquanto a China exporta e continua a enviar máquinas CNC e ferramentais para a indústria russa, também com a saída de empresas renomadas ocidentais da Rússia, a China entrou no mercado russo ocupando todo esse espaço e comércio vazio deixado pelas marcas ocidentais, isso acabou provocando uma maior cooperação sino-russo em um nível que jamais vimos em décadas anteriores ou séculos anteriores.
Em suas percepções e preferências de Guanxi, os chineses seguem uma forma relacional de pensar, que está em forte contraste com a forma genérica de pensar americana. Essa diferença está em como chineses e americanos se comportam ao jogar jogos de tabuleiro e se envolver com outros na vida real. O jogo de Go significa a forma chinesa de jogar, enquanto o jogo de Xadrez denota a forma ocidental de jogar. O pensamento estratégico chinês é relacional e melhor exemplificado na forma como os chineses percebem e lidam com vários Guanxi no jogo de Go. Os chineses preferem definir seus objetivos estratégicos em termos relativos, empregar uma combinação de vários meios para atingir um Guanxi bom e estável com outros países sem definir nenhum deles, ou ser definido por nenhum deles, como um inimigo. Os chineses também tendem a favorecer uma estratégia estrangeira flexível com adaptação contingente como seu princípio, um equilíbrio favorável de shi como seu eixo, e deficiências como miopia, ganância e impaciência como seus tabus.
Intimamente relacionado à questão de vitória-derrota, o Guanxi em Go é sobre o relacionamento entre dois jogadores. Eles não se definem como o inimigo a ser eliminado como no jogo de Xadrez. Em vez disso, eles assumem uma posição neutra e não se veem de uma perspectiva genérica como inimigos ou amigos, mas rivais respeitosos, no mínimo. Na maioria das vezes, um jogador de Go vê o cerco de seu oponente como uma ameaça. Mas, como o jogo em si é sobre cerco e contra-cerco, ele verá essa ameaça como normal. E ele não esperará remover o cerco como uma forma de remover a ameaça. Com isso dito, no entanto, os jogadores de Go consideram algumas pedras colocadas por seus oponentes como atos inimigos e fazem o que podem para contê-las ou removê-las porque podem ameaçar a sobrevivência de suas próprias pedras. Aqui, uma luta de vida ou morte estará em jogo. Mas, para os mestres de Go, mesmo uma luta tão decisiva deve e pode ser evitada.
Em suas relações exteriores, a China faz um longo caminho para se abster de definir estados com os quais tem disputas inteiramente como inimigos. Em vez disso, a China geralmente vê governos anti-China como inimigos, ou seus comportamentos anti-China específicos como hostis. E, ao mesmo tempo, a China tenta diferenciar pessoas anti-China daquelas que são pró-China em outros países. Uma lógica de pensamento relacional em vez de genérica está implícita na maneira chinesa de definir a ameaça estratégica. Um jogo de "viva e deixe viver" também está em jogo. Aqui, os chineses preferem evitar nomear qualquer oponente como inimigo. Por exemplo, a China não define os EUA como um inimigo e nem mesmo vê o sistema político e a ideologia americanos per se como ameaçadores. Mas a China considera como uma ameaça estratégica a contenção dos EUA contra a ascensão da China e o cerco à China com seu engajamento militar ao longo das fronteiras da China. O hegemonismo dos EUA e os esforços para americanizar seus valores políticos também são percebidos como ameaçadores para a China. Essa forma de pensamento estratégico explica parcialmente por que a China não favorece fazer aliados como os EUA, já que para os chineses, você faz inimigos quando faz aliados. Uma parceria é, portanto, uma opção melhor, ficando entre uma aliança e uma inimizade.
A China, em particular na época de Mao, viu outros países ao redor do mundo em uma dicotomia amigo-inimigo e lutou com vários de seus países vizinhos. Mas o uso da força pela China na maioria dos casos decorreu das reações da China para fins de sobrevivência e independência quando sua segurança nacional enfrentou séria ameaça (por exemplo, a Guerra da Coreia de 1950 a 1953) ou quando sua soberania e integridade territorial encontraram séria destruição (por exemplo, a guerra de fronteira China-Índia em 1962, o conflito de fronteira China-União Soviética em 1969 e a guerra de fronteira China-Vietnã em 1979) enquanto não tinha recurso alternativo. Tal luta de vida ou morte, como um jogador de Go encontra quando as pedras de seu oponente representam uma ameaça vital para suas próprias pedras, necessita da autodefesa agressiva da China. Mas esse cenário é mais excepcional do que o normal. É sempre o que a China tenta o seu melhor para evitar.
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